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Jornalista: Mariana Pereira

Mário Laginha está a dar um concerto e, de repente, há alguém do público que se senta ao seu lado no banco do piano e fica, até ao final do concerto, a carregar nas teclas. Aconteceu mesmo, mas esse alguém era uma criança de dois anos e estava, digamos, no seu ambiente. Era um dos Concertos para Bebés, programa que em breve fará 20 anos de existência e conta já mais de mil concertos, e que amanhã volta ao Centro Cultural Olga Cadaval, em Sintra, com Iberia de guitarra e flauta, pela Machina Lírica, composta por Pedro Rodrigues e Monika Streitová, os solistas de outubro. Ela é checa, ele é de Leiria, terra natal dos Concertos para Bebés, criados pelo maestro e professor Paulo Lameiro. Encontramo-lo nos bastidores, vestido a rigor, em tons de azul, a par de toda a “máquina” composta pelos artistas residentes destes concertos. Também de azul, e a aproveitar a pausa entre o concerto, Piano de Gatas, das 10.00 e o das 11.30, está Mário Laginha.

Lá fora, o foyer do Olga Cadaval assemelha-se a um parque de estacionamento, mas de carrinhos de bebés. Depois do final do concerto das 10.00, o parque de estacionamento transforma-se em refeitório de bebés. Há mães que amamentam, outras, ou os pais, dão colheres de fruta ou iogurte aos bebés, movimentam-se fraldas.

De volta aos bastidores, Mário Laginha, que há seis anos tem a experiência de tocar rodeado de bebés, lança: “As pessoas, neste caso as crianças, têm sempre mais para dar do que nós pensamos. Há um lado emocionante e compensador de ver que não é preciso fazer aquilo que nós adultos achamos que deve ser para crianças. Eu estou a tocar a minha música tal como ela é. Não estou a tocar a minha música transformada. Gosto muito de olhar à volta e ver que as crianças estão felizes a ouvir música. Acho que se sente uma espécie de onda de felicidade.”

Laginha começa escondido, entre uma espécie de canavial colorido. Os miúdos sentam-se à volta, com os pais. Há uma ordem: até aos 18 meses num lugar, dos 19 aos 47 noutro, e a partir dessa idade noutro. Mas já com Mário Laginha descoberto e em pleno concerto, Sara, com pouco mais de um ano, dança, rodopia, toca nos outros bebés, e aproximava-se dos músicos Alberto Roque, José Lopes, e Pedro Santos, e dos seus saxofones e acordeões com ar de desafio. Há bebés que arregalam os olhos perante os instrumentos, outros gatinham debaixo do piano, outros dançam, alguns estão serenos.

“Os bebés são pessoas completas, com capacidade de sentir totalmente e, de resto, com capacidade de sentir muito mais do ponto de vista acústico do que um adulto”, diz Paulo Lameiro. Perguntamos-lhe o que deu, há 20 anos, origem a estes concertos que já viajaram pelo mundo e onde já houve música eletrónica ou canções da revolução de Abril. “Quando vamos à procura de coisas para crianças é tudo colorido, festivo, palminhas, fácil, e balões, pipocas, e insufláveis. Na Europa em geral, não é só Portugal. Pensamos que a criança precisa de ter alguma coisa adaptada”, responde.

Antes de entrarem para a sala, onde pais e filhos partilham o palco com os músicos, Paulo Lameiro previne que não é suposto os pais explicarem nada, bater palminhas aos filhos, nem apontar e dizer: “Este é o Mário Laginha!” A diretiva, como nos diria depois o pianista e compositor, é: “Deixem os vossos filhos ouvir e sentir e não tentem explicar cada coisa.” Amanhã é a vez de Pedro Rodrigues e Monika Streitová. No dia 29 será a estreia de Marta Miranda dos OqueStrada, com o espetáculo Ruas e pedrinhas. E lá estava ela a assistir. Quando os músicos perguntam a Paulo Lameiro que música devem levar para os concertos, este responde: “Aquela de que gostas mais.” E depois diz: “Isto não é uma iniciação à música. O bebé é uma pessoa, logo. Na verdade, isto é um concerto.”